“A Ferrari fará o seu próprio caminho”. É a frase forte de uma das pouquíssimas entrevistas que Benedetto Vigna, CEO da Ferrari, concedeu, desta feita à agência Bloomberg. O italiano, desconcertante, explicou o caminho da Ferrari e lançou algumas frases polémicas, elogiando a Tesla, mas deixando claro que a marca americana vende mobilidade de um ponto para o outro, a Ferrari vende sonho e glamour. E isso não vai mudar com a eletrificação.
Esta entrevista de Benedetto Vigna acaba por desvendar um CEO da Ferrari muito focado no sucesso da marca de Maranello, mas com maior conhecimento do mundo automóvel do que o esperado. Com 53 anos, este natural de Potenza, Basilicata, licenciado em física, trabalhou durante anos na indústria dos micro componentes e sensores. Foi ele o inventor de um sensor tridimensional que foi aplicado aos airbags dos automóveis e, depois de reduzido o tamanho, nos controlos sem fios da Nintendo. Na sua carreira tem mais de uma centena de patentes.
“A Ferrari fará o seu próprio caminho”
Há 17 meses que é o CEO da Ferrari e nesta entrevista feita pela Bloomberg nas instalações da Ferrari em Maranello, deixou claro que a “Ferrari fará o seu próprio caminho na eletrificação” deixando elogios à Tesla pela sua aceleração na mobilidade elétrica, mas não tendo duvidas que Tesla e Ferrari estão nos antípodas.
Quando lhe perguntaram o que aprendeu com a Tesla, Benedetto Vigna foi cristalino. “O maior contributo para o universo automóvel foi a chamada de atenção. Tudo tem a tendência de se mover devagar, a Tesla chocou o universo automóvel pela sua capacidade de acelerar processos e decisões. São mais rápidos e ágeis.”
E repisando a ideia que “a Ferrari fará o seu próprio caminho”, Vigna lembra que a eletrificação “é uma nova forma de oferecer aos clientes uma experiência de condução única. E não tenho dúvidas nenhumas que os nossos motores elétricos vão oferecer aos clientes as mesmas emoções que os motores de combustão interna.”
“A Ferrari não está atrasada na mobilidade elétrica”
Alguns dizem que a Ferrari está atrasada na mobilidade elétrica e Vigna deixa claro que “isso não é verdade. Estamos dentro dos prazos e o primeiro Ferrari 100% elétrico será revelado em 2025 o que quer dizer que em 2026 estará à venda.”
Para o CEO da Ferrari, o ponto principal é “extrair a melhor emoção no uso desta tecnologia, oferecendo algo único aos clientes. Por outro lado, a emoção na condução é obtida por uma combinação de fatores: acelerações longitudinais e laterais, som, passagens de caixa e travagem.” E aqui Vigna surpreende. “Estas premissas não mudam se o motor for elétrico!” Será que o departamento de engenharia da Ferrari está a preparar uma caixa de velocidades para os seus modelos elétricos?!
“A Ferrari é muito diferente da Tesla”
Apesar dos elogios feitos à marca de Elon Musk, Benedetto Vigna deixa claro que um mundo separa os produtos das duas marcas. “Bom, há os carros funcionais que têm como objetivo nos levar do ponto A ao ponto B emitindo zero gramas de dióxido de carbono. E nesses, a marca não interessa para nada, o que importa é que nos ofereça mobilidade. Depois há os automóveis que oferecem emoção e uma experiência de condução única que é o caso dos Ferrari.”
E Vigna não tem problema nenhum em dizer que “um Tesla é um carro funcional que nos leva de um lado ao outro. Nada mais!” Benedetto Vigna pode estar a subestimar a Tesla, mas não deixa de ter razão. Embora um Tesla seja desejado como um iPhone: o desejo de ter algo estatutário é muito forte em alguns locais.
Tesla desce preços consideravelmente. São menos 10 000€ por um Model 3!
Na prática são menos 10 000€ por um Model 3 e 3000€ por um Model Y, valores significativos, e que deixam os modelos praticamente sem concorrência.
“Não podemos impor nada aos clientes”
Interrogado sobre o atraso da casa de Maranello no que toca à eletrificação, Benedetto Vigna explica que “isso não é verdade! Penso é que uma marca como a nossa não pode impor uma escolha aos nossos clientes e, por isso, enquanto for possível e rentável iremos oferecer a melhor mistura de tecnologia. Ou seja, motores de combustão interna, híbridos e elétricos.”
E sobre o facto do Purosangue, o primeiro SUV da marca do Cavallino Rampante, não ter eletrificação, o CEO da Ferrari explicou que o Purosangue “é o melhor exemplo de que ainda há espaço para todas as tecnologias. A lista de encomendas do Purosangue ficou esgotada quatro vezes mais depressa do que o esperado e, mesmo assim, o modelo só será responsável por 20% da nossa produção.“
“Não vejo nenhuma ameaça à Ferrari”
Questionado sobre as ameaças que a eletrificação coloca à Ferrari, Benedetto Vigna diz, simplesmente, “nenhuma!” Para ele não há nenhuma ameaça especifica para a Ferrari. “Há uma ameaça para a indústria do luxo em geral que é perceber a reação das novas gerações aos bens de luxo. Por isso temos colocado a tónica na sustentabilidade, com um verdadeiro plano de sustentabilidade e quando dizemos que em 2030 seremos carbono neutros, em 2030 vamos reduzir, mesmo, as nossas emissões. Ou seja, a Ferrari fará o seu próprio caminho.”
Então a eletrificação é algo pacífico para a Ferrari. “Reguladores decidiram em certa altura que a comunidade teria de ter automóveis elétricos, seja essa decisão certa ou errada. Está decidido, vai acontecer e a Ferrari fará o seu próprio caminho. Mas há que lembrar que a eletrificação é, apenas, uma parte da equação que está a ser demasiadamente empolada com problemas que se levantam em todo o lado. Na minha opinião estão todos a concentrar-se em demasia na tecnologia e lançam ideias e termos que ninguém percebe, ignorando a perceção do cliente.”
Para Benedetto Vigna, “eletrificar um veículo é, tecnologicamente, fácil. A dificuldade está em extrair dele a melhor emoção para oferecer ao condutor utilizando a tecnologia elétrica. A tecnologia é apenas uma ferramenta e por isso acho que estão a despejar demasiado dinheiro nisto. Mas temos de reconhecer que a falta de conhecimentos e de alguma visão ajuda nesta situação.”
Para Benedetto Vigna, o sucesso mede-se “pela rapidez com que entendemos o ambiente que nos rodeia e com que velocidade nos adaptamos e tomamos decisões. Parte com a razão, outra parte com o instinto. Porque se estamos à espera de ter todos os dados para tomar uma decisão… vamos chegar tarde!”
Por isso, o CEO da Ferrari quer deixar com a sua passagem pela empresa “uma companhia onde há mais união, mais capacidade de decisão a todos os níveis. Nas empresas latinas há aquela tradição de esperar pelas ordens do patrão. Não quero nada disso. Se há decisões a tomar sectorialmente, tomem-nas e ponto final!”