Sabe os 5 pecados da Ford na Europa? A unidade europeia da casa da oval azul tem andado de prejuízo em prejuízo não encontrando a porta de saída para o pátio do lucro. Com as perdas registadas em 2022 com alguns investimentos desastrosos (como a Rivian) a Ford quer reorganizar a sua presença na Europa, assumindo que há cinco pecados fatais que está a cometer.
A Ford tem vindo a sofrer com uma crónica deficiência no produto que oferece. Depois com uma eletrificação que está em atraso, a marca perdeu presença – a entrada na F1 e o reforço da aposta no Mundial de ralis, entre outras iniciativas é a pensar nisso – tem poucas ofertas de mobilidade e há uma obsessão com o corte de custos que não tem sido benéfica.
Falta de uma gama de modelos convincente
A época alta dos monovolumes foi uma das melhores da Ford. Aproveitou a boleia da VW com o Galaxy feito em Portugal e, sobretudo, criou o MPV desportivo, o S-Max para lá do C-Max e do B-Max, claramente menos bem sucedidos. De tal forma que estes últimos desapareceram e a Ford chamou a si a nova geração do Galaxy renovando a aposta no S-Max. E conseguiu, ainda, lançar em 2007 o Kuga, SUV que caiu no goto dos europeus.
Os monovolumes esfriaram e desapareceram por troca com os SUV e o Focus nunca mais teve a mesma expressão que as primeiras edições. O Fiesta envelheceu e a verdade é que a Ford ficou sem produto capaz. O passo em falso chamado Ecosport (primeiro com um modelo importado da Índia e depois com um modelo europeu, caro!) e, depois, o Ka substituído pelo Ka+ feito no Brasil, afastou clientes da Ford. E tudo isto sacrificado no altar do corte de custos.
Por outro lado, a Ford ficou na retina de todos pelos automóveis com um comportamento irrepreensível. O último Escort – nome que não deveria ter desaparecido! – e modelos como o B-Max, Ecosport e Ka+, eram, exatamente, o oposto disso. O antigo gestor de uma empresa de construção de material de escritório, Jim Hackett, ficou a dirigir os destinos da Ford e perante tanta confusão, decidiu ser drástico. Assim, em 2018, tirou a casa da oval azul de vários segmentos ao mesmo tempo eliminado todos os monovolumes sem oferecer substitutos. Ou seja, a Ford cobria cerca de 90% do mercado e com estas decisões abruptas, fechou a porta a vários segmentos.
E a solução?
Remodelar de forma sistemática os modelos existentes sem lhe mudar as fundações. Inevitavelmente, a quota de mercado começou a cair e de 11,8% em 1994, chegou aos 4,8% em 2021. Mas o mais curioso é que, como sucede com os relógios avariados (duas vezes por dia estão certos), a Ford consegue acertar algumas vezes. Veja-se o caso do novo Puma, um crossover desportivo com um estilo radical e sedutor e que é o modelos mais vendido da casa americana na Europa com valores acima das 130 mil unidades. Isto só é possível porque o Puma é um… Ford! Ou seja, condução desportiva, estilo meio doido, mas sedutor e altamente desejável. Teve inclusivamente direito a uma versão ST, ainda mais divertida de conduzir.
Foco desmesurado no corte de custos
Há obsessões que custam dinheiro. Cortar custos de forma obsessiva é uma delas. Sendo verdade que ao ser uma empresa norte americana cotada em bolsa, a Ford tem de estar concentrada em fazer render casa dólar que gasta em lucros avultados. Para quem compra capital, a proteção do investimento e a sua reprodução com percentagem sempre acima dos dois dígitos, hoje, é mais importante que uma estratégia a longo prazo que só dê lucros daqui a algum tempo.
Ora, não espanta, assim, que todos os CEO da Ford, como de outras empresas na mesma situação, tenham as suas decisões moldadas por esse espartilho do lucro a todo o custo. Por outro lado, os cortes de custos – corte de trabalhos e de investimento em modelos novos e a pensar no cliente – apresentados durante as reuniões trimestrais para apresentação de contas, dão a ideia que despedir pessoas e cortar no investimento é a melhor forma de dar lucro. Uma gestão inteligente, como dizem. Burros é o que são!
Porque desfazer-se de quem já desenhou, preparou e desenvolveu os modelos que foram bem-sucedidos, é um disparate. Primeiro porque há pouca mão de obra de qualidade nestas áreas, depois porque conhecem bem a forma de industrialização e podem encurtar tempo e custos no lançamento de novos modelos.
Pois a Ford vai cometer o mesmo erro ao cortar milhares de postos de trabalho em Colónia, na área do desenvolvimento. Numa altura em que a transição da indústria para a mobilidade elétrica precisa de inovação e criação de valor, a Ford leva tudo para os EUA, um mercado que não tem rigorosamente nada a ver com a Europa. Já parece as mudanças feitas em mercados europeus juntando filiais de países como, por exemplo, Portugal e Espanha. Não resulta! Fica a pergunta: como é que a Ford se pode manter na liderança tecnológica nesta fase tão crucial se não tiver massa cinzenta suficiente?
Atraso na eletrificação
Lembra-se quando é que foi lançado o primeiro carro 100% elétrico de produção em série? Não, não estamos a falar de 1832 quando Robert Anderson desenvolveu o primeiro veículo elétrico. Nem do triciclo elétrico de Gustave Trouvé de 1881 ou do carro elétrico de Thomas Parker datado de 1895.
Estamos a falar do Salão de Genebra de 2009 quando a Mitsubishi lançou o i-MiEV. Na época, muitos abriram os olhos de espanto e outros gozaram com a ideia de um carro 100% elétrico para utilização quotidiana. Alguns dos que fizeram graçolas com o i-MiEV foram executivos da Ford…
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A Ford arriscou tudo. O Mustang Mach-E é um SUV 100% elétrico, mas estará ao nível de tamanha responsabilidade ao ostentar o cavalo selvagem?
Nunca acreditaram que a única forma de cumprir com os cada vez mais exigentes regulamentos europeus de emissões de gases poluentes era através da eletrificação parcial ou total. Curiosamente, os brilhantes engenheiros da Ford dentro do departamento de pesquisa e desenvolvimento dos dois lados do lago, já tinham apresentado muitas soluções para veículos 100% elétricos com baterias ou recurso à pilha de combustível a hidrogénio.
Os homens que lideravam a Ford preferiam apostar no desenvolvimento do motor Ecoboost 1.0 litros e na utilização de hibridização ligeira. E, uma vez mais, a obsessão pelo corte de custos, levou a Ford a diminuir orçamento de departamento de R&D (pesquisa e desenvolvimento) e muitos projetos que tinham todo o sentido foram adiados ou simplesmente colocados na prateleira a apanhar pó.
Recurso a parceria alemã
Quando se aperceberam que foram apanhados “de calças na mão”, imediatamente estenderam a mão ao amigo alemão – leia-se, grupo VW como já tinha sucedido com a Galaxy – para fazerem carros elétricos com base na plataforma MEB do grupo VW. O primeiro modelo desta parceria será semelhante ao ID.4 e vem tomar o lugar do Fiesta. O citadino vai acabar carreira já este ano. A Ford diz que a seguir virá um segundo modelo feito nas mesmas condições e planeiam um volume de produção de 600 mil unidades/ano.
Porém, porque não quer ficar refém dos alemães, a Ford está a desenvolver a sua própria plataforma para modelos 100% elétricos, híbridos e Plug-In… nos EUA, não na Europa onde mais falta lhe fazem os modelos elétricos!
Valor da marca
Pode parecer estranho dizer que a marca Ford vale pouco. Mas é uma realidade. Apesar da fama de modelos como o Escort, Capri, Cortina e Fiesta, os tempos modernos fazem-se com o Puma que já foi um coupé. Por outro lado, o nome Ford deixou de ser uma marca que habite a mente dos compradores de veículos novos.
Culpa dos responsáveis do marketing da Ford. Apercebendo-se da desvalorização da marca, lançaram-se numa campanha de descontos absurda que levaram o mercado a desconfiar. O impacto nas finanças da divisão europeia desses massivos descontos levou ao fim dos mesmos, provocando alguma insatisfação no mercado.
Mas voltaram a errar quando numa decisão norteada pela necessidade urgente de entrar na corrida à eletrificação se colocaram nos braços da Volkswagen.
Porém, este não foi o último erro. Num claro sintoma da falta de comunicação entre os dois lados do lago e com desconhecimento dos europeus, a Ford veio promover a herança americana e as suas raízes no Michigan para modificar o panorama monótono do mercado europeu. Criou o mantra “Adventurous Spirit” e trouxe para mercados selecionados o Bronco, que muito diz aos americanos, pouco ou nada aos europeus.
Bastava alguns marketeers olharem pela janela dos seus gabinetes e perceberem que a Jeep já ocupou o lugar de preferido da América nos corações europeus. É mais uma chegada tardia e com um conceito que vale… do outro lado!
Estratégia de mobilidade errada
Uma vez mais a obsessão com o corte de custos trouxe dificuldades à Ford. Tendo uma rede de concessionários pouco convencional devido à fidelidade da maioria, a casa da oval azul é das poucas que não tem um programa de mobilidade. Criou o Ford Carsharing em 2013, mas não conseguiu que funcionasse e era, na maior parte das vezes, um serviço de cortesia para os clientes do após venda.
É verdade que começou um serviço de subscrição como alternativa à compra, mas muito limitada. Depois, vendeu a Spin, uma empresa de aluguer de scooters elétricas. Ou seja, face a rivais como a Toyota ou Renault, a Ford continua longe dos mínimos e parece que do caderno de encargos de Jim Farley, CEO da Ford Motor Company, também não faz parte do conteúdo cuidar destas matérias. Assim, uma vez mais, a Ford estará atrasada quando a mobilidade elétrica se transformar num negócio de serviços e não de venda de carros.
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