Os primeiros abalos na indústria automóvel provocados pela mobilidade elétrica estão a eclodir e está á vista um tsunami de despedimentos. Só para ilustrar, a ZF, empresa de componentes para automóveis, pode despedir até 12 mil pessoas até 2030! O forte endividamento é um dos garrotes que ameaça a indústria. Dizem os especialistas que isto é apenas a ponta do iceberg!
Quando se atirou para cima da mesa a transição veloz para a mobilidade elétrica, algumas vozes alertaram para vários assuntos. Em primeiro lugar, a necessidade de fortíssimos investimentos. Em segundo lugar, um endividamento massivo para fazer face aos custos desta transição supersónica. Finalmente, a necessidade de apoios estatais para ajudar as pessoas a mudar de paradigma.
Diferenças entre tecnologias é enorme
Por outro lado, a indústria dos componentes viu-se a braços com uma realidade inesperada. Os carros elétricos têm muito menos componentes “tradicionais”. As exigências que pousavam sobre os fabricantes tradicionais (como a ZF) para caixas de velocidades, transmissões, etc., pousam agora em outras indústrias. Nomeadamente, baterias e controladores eletrónicos.
Só para exemplificar, um automóvel com motor de combustão interna (MCI ou ICE em inglês) terá cerca de 2000 componentes no que toca a toda a mecânica. Um automóvel elétrico não chega a metade disso.
Por outro lado, um automóvel elétrico não precisa de escapes, turbos, sistema de refrigeração do motor, caixa de velocidades, linhas de combustível. Porém, é mais complexo e a percentagem de eletrónica sofisticada sobe dos 35 a 40% num automóvel convencional para 50 a 55% num veículo elétrico.
Podemos até comparar motorizações. Um motor a gasolina terá cerca de 115 a 120 peças móveis, um motor elétrico não vai além de uma mão cheia delas.
Despedimentos na indústria automóvel agigantam-se
Não espanta, portanto, que este tsunami de despedimentos na indústria automóvel se comece a agigantar. As mais recentes notícias dizem que a ZF Friedrichshafen, a Bosch e a Continental, três dos maiores “players” do setor dos componentes estão a preparar massivos despedimentos.
Todos estão fortemente endividados – algo necessário para acompanhar esta vertigem rumo à mobilidade elétrica – e com necessidade de aliviar a tesouraria. A ZF já desenhou o seu plano e serão 12 mil postos de trabalho a serem suprimidos!
Por outro lado, estão congeladas admissões de pessoal e há a forte convicção que muita produção será deslocalizada. Aliás, Achim Dietrich, um dos membros do conselho de administração, deixou isso subentendido. Foi em declarações à imprensa perante uma manifestação de trabalhadores em frente à seda da ZF em Friedrichshafen.
Desde que esta crise se iniciou, os sindicatos temem que até 2030, um em cada quatro postos de trabalho sejam suprimidos.
Bosch quer cortar 1200 postos de trabalho
O tamanho da onda de despedimentos é bem menor na Bosch. Porém, o gigante alemão vai prescindir de 1500 postos de trabalho na área do software, 950 dos quais na Alemanha. Já a Continental prevê suprimir, a nível global, 5.500 empregos, mais de um milhar em território germânico.
Ao mesmo tempo, vai reduzir as divisões ligadas ao automóvel – sim a casa alemã não faz apenas pneus – de seis para cinco. Finalmente, a Brose, especializada em mecatrónica (entre outras coisas) vai cortar 10% da sua força de trabalho.
Este é apenas o começo!
Segundo Stefan Bratzel, diretor do Centro de Gestão Automóvel (CAM) na Alemanha, citado pelo Automotive News Europe, “não é uma surpresa ouvir estas notícias. É que só agora se tornam evidentes as consequências desta rápida transformação da indústria automóvel.”
Segundo este especialista, “receio que isto seja apenas o início! Nesta década, esperamos um declínio de 20% no número de trabalhadores nos construtores e nos fornecedores, aqui na Alemanha.”
A proliferação da tecnologia que reduz o número de funcionários, margens operacionais cada vez mais baixas e a deslocalização da produção para paraísos da mão de obra barata, começam a cobrar fatura. A desenfreada corrida para os automóveis elétricos vai ter custos sociais enormes e poderá acabar com mais algumas marcas.
Guerra de preços não ajuda
A guerra de preços está instalada e ameaça a rentabilidade dos grupos de produção automóvel. Nada que não tivesse sido previsto por algumas pessoas, entre elas, Carlos Tavares e Akio Toyoda. O CEO da Stellantis sempre esteve contra esta imposição sem sentido de acabar com os motores de combustão interna em 2035. O agora presidente da Toyota resistiu, sempre, a colocar todos os ovos no mesmo cesto. E ainda hoje continua renitente. E ambos previram que o custo social desta corrida à eletrificação será elevado. Ele ai está!