A notícia da 92º edição do Rali de Monte Carlo não foi a vitória de Thierry Neuville. Foi, antes, WRC: Neuville bate Ogier! Bater o oito vezes campeão do mundo e vencedor por nove vezes do Rali de Monte Carlo não está ao alcance de muitos. Ainda mais quando a prova, em busca da neve e gelo, foi para norte para a região de Gap, onde nasceu Ogier. Com uma Hyundai transfigurada e um belga feliz, o campeonato WRC 2024 promete muito!
Podem os profetas da desgraça entender que oito carros Rally 1 inscritos na prova inaugural da terceira temporada da regulamentação híbrida são poucos. Podem, também, dizer que sem neve foi mais um Monte Carlo de asfalto. Enfim, podem dizer tudo. Com toda a certeza não podem estar desiludidos com o espetáculo dado pelos homens da frente e pelos que lutarem pelo WRC2. Foi um rali espetacular que deixou água na boca para o resto da temporada.
Hyundai com vantagem face à Toyota
Quando Kalle Rovanpera anunciou que iria fazer uma pausa nos ralis, cumprindo um ano em regime parcial (tal como sucede com Sebastien Ogier), perceberam-se várias coisas. Em primeiro lugar, a Hyundai mudou muito a sua forma de funcionamento e, pela primeira vez, ficou com vantagem no que toca à sua formação de pilotos. Em segundo lugar, Elfyn Evans passou a ter nos ombros a responsabilidade de ganhar, pela primeira vez o título. Um fardo pesado para quem perdeu as últimas quatro chances para reclamar o cetro.
Jari-Matti Latvala, responsável máximo da Toyota Gazoo Racing World Rally Team, tirou essa pressão de cima do galês ao anunciar que a prioridade é o título de construtores. Naturalmente que o título de pilotos também faz parte dos objetivos. Mas o finlandês sabe que para o Mundial de Construtores terá Kalle Rovanpera e Sebastien Ogier a marcar muitos pontos. Para o Mundial de Pilotos, Evans estará sozinho com Takamoto Katsuta.
Com o intuito de, finalmente, quebrar o domínio da Toyota, Cyril Abitboul fez um “all in”. Depois de receber das mãos da Hyundai Motorsport o cargo de responsável máximo do departamento de competição, juntou essa responsabilidade ao cargo de Team Principal. Foi buscar François-Xavier Demaison (FX como é conhecido) para “dar a volta” ao i20 N Rally1, empurrou Christian Loriaux para o papel de Gestor do Programa Hyundai no WRC e trouxe para o ajudar na gestão da equipa Tolga Ozakinci, que tomou o lugar de Pablo Marcos. Finalmente, foi buscar Sebastian Marshall, ex-navegador de pilotos como Hayden Paddon e Kris Meeke, para cuidar da comunicação e redes sociais durante os eventos.
E, para espanto de todos, Cyril Abitboul afirmou que o objetivo principal para 2024 é o título de pilotos. Uma inversão de objetivos que se explica perante a mudança de paradigma trazida pelo francês.
Ford com objetivos comedidos
No campo da M-Sport, tudo regressou ao básico. Nada de vedetas, orçamento controlado e objetivos… zero! Com Adrien Fourmaux e Gregoire Munster na equipa, Richard Millener, responsável da equipa de Malcolm Wilson, abraçará qualquer resultado. O apoio da Red Bull ao francês e o pagamento de Jourdan Serderidis para o lugar do luxemburguês, deixa a M-Sport mais à vontade.
Continua a não ter os palácios da Hyundai e da Toyota, mas tem um dos carros mais giros do plantel (agora com predominância da cor branca) e Fourmaux pode criar uma ou outra surpresa.
Pontuação alterada
Por outro lado, o Mundial de Ralis surgiu com uma enorme novidade: um novo sistema de pontuação. Com o propósito de oferecer mais emoção ao dia de domingo, o grupo de trabalho criado pela FIA para encontrar soluções para melhorar o Mundial lançou esta proposta.
Em primeiro lugar, há pontos no sábado, no domingo e na “PowerStage”. Em segundo lugar, no dia de sábado (contando com todas as penalizações de estrada) são distribuídos pontos aos 10 primeiros desta forma: 18-15-13-10-8-6-4-3-2-1. Finalmente, no domingo e numa classificação à parte apenas com os tempos dos troços de domingo, serão atribuídos mais pontos: 7-6-5-4-3-2-1. Na “Power Stage” continuam a ser entregues 5-4-3-2-1 aos cinco primeiros nesse troço. Contas feitas, continuam a ser entregues o máximo de 30 pontos.
Porém, para conseguir ficar com os pontos de sábado, os pilotos têm de terminar o rali. Em caso de abandono no domingo, o piloto perde os pontos conquistados no dia anterior.
Sebastien Ogier está frontalmente contra. “Estas novas regras não fazem sentido. Não consigo entender. Espero estar enganado, mas até agora só vejo inconvenientes em mudar este sistema. Desvaloriza-se completamente a vitória, torna-a complexa e ninguém vai entender realmente do público em geral, exceto [se] for um nerd e gostar muito de ralis.”
Em contrapartida, Richard Millener, responsável da M-Sport, estava satisfeito deitando uma farpa a Ogier. “Acho que é ótimo. Ninguém gosta de mudanças, mas acho que temos de mudar. Esta é uma grande mudança, mas penso que trouxe muito mais estratégia.”
Por seu turno, Cyril Abitboul da Hyundai, brincou ao dizer que teria de perguntar ao ChatGPT para ajudar na estratégia.
Neuville bate Ogier
Thierry Neuville esteve perfeito nesta edição do Monte Carlo, a primeira prova do WRC 2024. “Foi um admirável esforço da equipa chegar aqui e ganhar. Mas não apenas ganhar, dominar! Toda a equipa fez um tremendo trabalho e vencer desta forma é especial.”
O belga estava feliz como já há muito tempo não estava. Aliás, esteve assim durante todo o rali, exceção feita ao primeiro dia de prova, onde a afinação do i20 N Rally1 esteve longe do que desejava.
Não encontrou a neve e o gelo que se esperavam depois dos reconhecimentos. Com toda a certeza, sentiu-se aliviado pela ausência de Kalle Rovanpera. Por outro lado, teve de olhar por cima do ombro para perceber se Ott Tanak vinha com andamento capaz de o derrotar.
Na verdade, não houve o gelo e a neve esperados, mas uma única placa de gelo causou problemas e afastou um dos candidatos da vitória.
Gelo prejudicou um dos candidatos à vitória
Ott Tanak escorregou na enorme placa de gelo logo no primeiro troço de sexta-feira e perdeu quase 40 segundos. Depois foi Takamoto Katsuta que ficou preso no único banco de neve e perdeu mais de 6 minutos.
Em contraste com essas situações, Elfyn Evans dominou a noite do Monte Carlo. A passagem pelos tourniquets (ganchos) no troço de Bayons/Breziers, fez regressar a noite mágica da prova. O galês entrou com o pé direito e acabou o dia na liderança. Ogier partia mais atrás e encontrou a estrada muito suja e Neuville não tinha o Hyundai, ainda, a seu gosto. Ott Tanak voltou a ser perseguido por problemas mecânicos e perdia quase 30 segundos. Com a escorregadela no gelo, o estónio ficava fora da luta pela vitória.
As placas de gelo aqui e ali foram dando problemas aos pilotos, mas ficou claro que a luta seria a três entre Thierry Neuville, Sebastien Ogier e Elfyn Evans.
Neuville e Ogier em luta
O galês da Toyota manteve-se no comando da prova, mas a vantagem derreteu como gelo ao sol. Por outro lado, Ogier estava a começar a entrar no ritmo e assinava tempos espetaculares, apesar de dorido pela morte do seu tio, o grande impulsionador da sua carreira.
Por certo que Neuville estava a preparar o ataque. E na sexta-feira à tarde, ficou claro que a luta iria ser entre o belga e o francês oito vezes campeão do Mundo. Evans foi perdendo confiança e segundos para o duo da frente. E como o objetivo é o título, o homem da Toyota levantou o pé e, depressa, passou de primeiro para terceiro. Tranquilo, pois Ott Tanak estava em quarto e só de lá sairia com um milagre. Por outro lado, o estónio não era atacado por Adrien Fourmaux, excelente no quinto lugar.
O francês levou a melhor sobre o seu colega de equipa Munster – que acabaria por sair de estrada no sábado, traído por uma zona de lama – e sobre Andreas Mikkelsen. O norueguês cumpriu a estreia com a Hyundai e regressou à categoria maior depois de quatro anos ao volante do Skoda Fabia do WRC2.
Foi uma estreia complicada para o piloto campeão do Mundo WRC2, perdeu muito tempo sendo cauteloso, mas chegou ao final da prova com mais conhecimento do carro e mais habituado às velocidades dos Rally1.
Hyundai e Neuville, finalmente!
Depois de um dia de sábado dominado pelo duelo entre Thierry Neuville e Sebastien Ogier, fica para a história os quase 19 segundos ganhos pelo belga num troço enregelado (a especialidade de Ogier) e a vitória 700 em troços para o piloto da Toyota.
Com toda a certeza, a vitória de Neuville no derradeiro troço do dia de sábado vibrou o golpe decisivo nas aspirações de Ogier. Até porque no domingo, o belga sentiu-se forte e não deu chances a ninguém, ganhando a prova de forma clara e reclamando o máximo de pontos.
Contas feitas, a Toyota ficou na frente do Mundial de Construtores (por 1 ponto) e Thierry Neuville lidera a tabela de pilotos. Recordar que a última vez que isso sucedeu – liderar o Mundial – foi em 2020 quando rubricou a sua primeira vitória no Monte Carlo. Acabou o campeonato no quarto lugar.
Luta sem quartel no WRC2
Tendo como nota dominante a estreia do Toyota GR Yaris Rally2, a primeira prova do WRC2 foi absolutamente espetacular. Três pilotos mantiveram um duelo ao longo quatro dias de prova: Yohan Rossel, Nikolay Gryazin e Pepe Lopes. O russo fez a estreia com a equipa Citroen e parecia estar a caminho de uma vitória. Ironia das ironias, na equipa que em 2023 lhe “roubou” a vitória com um protesto.
Com toda a certeza ninguém estava à espera de que Pepe Lopez fosse protagonista na luta pela vitória. O espanhol, com um Skoda Fabia RS – o melhor pois Oliver Solberg, que não pontuava, acabou por abandonar devido a furos – fez a vida negra aos homens da Citroen.
Na quinta-feira, nos troços noturnos deu uma verdadeira ensaboadela a Rossel e a Gryazin. E assim se manteve até final. Alternou com o russo a liderança da prova por oito vezes e acabou por perder o rali na derradeira classificativa. Yohan Rossel levou pneus supermacios para os troços de domingo e reservou dois macios novos na bagageira. Escolheu de forma perfeita para as classificativas: as duas primeiras tinham gelo, a derradeira estava totalmente seca. Nessas condições, o francês, especialista em asfalto, não deu chances e ultrapassou Gryazin e Lopez.
Contas feitas, Rossel venceu pela segunda vez consecutiva o Monte Carlo, Pepe Lopez ficou em segundo e Nikolay Gryazin fecho o pódio. Por outro lado, a estreia do Toyota GR Yaris R2 não foi auspiciosa. O piloto oficial, Sami Pajari, não foi além do quinto lugar na classe perdendo quase cinco minutos para o vencedor e nunca tendo estado em posição de lutar, sequer, por vitórias em troços. A próxima prova do Mundial de Ralis (WRC 2024) será o Rali da Suécia entre os dias 15 e 18 de fevereiro.