O que foi não volta a ser canta Tim dos Xutos e Pontapés e bem poderia ser este tema do conjunto de rock português o som de fundo deste magro Salão de Genebra 2024. Em outras palavras, anos houve em que os passos se mediam em quilómetros e as informações em quilos de papel. Substituídos por CD’s, pen’s e códigos QR ao longo dos anos e da evolução da tecnologia. A pandemia deu a machadada final naquele que foi o mais importante certame dedicado ao automóvel. Hoje é uma pálida imagem do passado. Uma visita que me deixou um sabor agridoce. Porém, aqui ficam as outras novidades de Genebra.
Com toda a certeza foi emocionante voltar a palmilhar o caminho entre o Aeroporto de Genebra e o espaço da Palexpo. Depois foi o balde de água gelada quando percebi que apenas um pavilhão estava ocupado. E que o grande destaque se chamava Renault, única grande marca a apostar na presença em Genebra. Aproveitou as ausências para chamar a si todas as atenções com o lançamento do Renault 5 100% elétrico. Mas havia outras novidades em Genebra.
Um certame magrinho e insonso
Antes de tudo e após uns milhares de passos, um olhar rápido envolveu tudo o que estava exposto e colocado na balança das expectativas, o resultado foi amplamente deficitário. Oito marcas presentes, carroçadores, chineses copiões, simuladores de condução mais ou menos básicos e um espaço de clássicos e supercarros que tinham como senha de entrada custarem mais de um milhão de euros. Tudo demasiado pobre, tudo poucochinho.
Por outro lado, tive a oportunidade de regressar ao Salão de Genebra com a equipa do Escape Livre que, afrontando a tendência, enviou três pessoas para a reportagem do certame. As novidades que, realmente, interessam, já foram todas reveladas e escalpelizadas. Neste artigo entre a boa vontade e a tristeza contida pela magreza do Salão de Genebra, mostra-lhe mais algumas coisas que estiveram em Genebra. É o que se pode arranjar!
Microlino Lite é rival do Citroen AMi… exceto no preço!
Estando baseada na Suíça, seria difícil à Micro encontrar uma desculpa para não estar presente. O pequeno construtor helvético aproveitou para apresentar uma novidade. O Microlino Lite que pode ser conduzido sem carta, sendo rival do Citroen AMi e do Fiat Topolino. Porém, isso é na teoria, pois com um preço de 17 990€ está muito longe dos dois modelos da Stellantis.
Por outro lado, no exterior não há diferenças face aos modelos que a casa suíça vende no centro da Europa. Quer isto dizer que a réplica do BMW Isetta dos anos 60 do século passado, manteve a sua forma de bolha e a porta dianteira de acesso ao interior. Dessa forma, para ser conduzido sem carta de condução a partir dos 16 anos, o Lite passou a estar limitado aos 45 km/h (o modelo normal chega aos 90 km/h) e a potência desceu para os 12 cv.
Para justificar o preço tão elevado, a Micro promete uma qualidade de construção “excecional e uma carroçaria em aço e alumínio com novas referências em matéria de segurança neste tipo de veículos.”
Por outro lado, com apenas 2,52 metros de comprimento, alberga duas pessoas e 230 litros de bagageira. Só para ilustrar, tem menos 18 cm que um Smart ForTwo. Quanto à bateria de 5,5 kWh, autoriza uma autonomia de 100 km, mas há uma opção de 11 kW que chega aos 180 km. A capacidade de carga é reduzida com a bateria de 5,5 kWh a precisar de duas horas para passar de 0 a 80%. Já a bateria de 11 kW exige quatro horas de carregamento. Como nota de rodapé, os Microlino continuam a ser fabricados em Turim, Itália.
Pininfarina mostrou Enigma GT… virtual!
A famosa casa de estilo italiana marcou presença no Salão de Genebra e para alem do Foxtron (desenvolvido para o gigante tecnológico de Taiwan, Foxconn), revelou um estudo de um coupé 2+2 movido a hidrogénio. O carro só existe no domínio virtual, mas a casa italiana quer desenvolver o modelo real. Chama-se Enigma GT e revisita algumas das linguagens do passado da casa fundada por Giovanni Battista Farina. Que, devido à sua baixa estatura, acabou por ficar “PininFarina”, pois pinin quer dizer pequeno no dialeto de Piemonte.
Com toda a certeza, o protótipo é impressionante e está pronto para passar à realidade, com novos desenvolvimentos a serem revelados antes do 95º aniversário da Pninfarina. Segundo o patrão do estilo dentro da Pininfarina, Felix Kilbertus, presente no Salão de Genebra, o Enigma GT representa “uma jornada que será revelada mais adiante e que esconde, propositadamente, todo o estilo pensado para o modelo. Este é um automóvel misterioso.” Acrescentou, ainda, que “para oferecer uma perspetiva animadora do que fazemos diariamente e explicando o que é o prazer de condução para uma nova geração de condutores.”
O Enigma GT é um 2+2 com motor traseiro. Tem 4580 mm de comprimento, sendo +pequeno para um GT. Por outro lado, tem uma distância entre eixos, maximizando o espaço interior.
Por outro lado, o motor de combustão interna alimentado a hidrogénio é um V6 de 2.5 litros com 440 cv que recebe a ajuda de um motor elétrico situado no eixo dianteiro (oferecendo tração integral) com 270 cv. O tanque de 9 kg de hidrogénio e a bateria de 10 kWh oferece uma autonomia teórica de 700 km. O peso será de 1690 kg.
Kimera 038 EVO. A evolução perdida do Lancia 037
Reimaginar um carro que nunca viu a luz do dia foi o mote para Luca Betti desenvolver o 038 Evo. Piloto de ralis e empreendedor, criou a Kimera Automobili unindo a sua paixão pela competição automóvel e pelos modelos de competição da Lancia a um nome grado dos ralis, Massimo Biasion.
Depois de ter lançado o 037, a versão moderna do carro que a Lancia usou nos ralis nos anos 80, a Kimera foi mais longe com o 038 Evo. Na essência, o carro que a equipa de Cesare Fiorio deveria ter feito ao invés de apostar no Lancia Delta S4.
O modelo é uma evolução do 037 (as 37 unidades já foram todas vendidas!), mas agora com quatro rodas motrizes e 38 unidades para os colecionadores disputarem. Portanto, o 038 Evo é o Grupo B que deveria ter sido feito e… não foi! Ou melhor, foi, mas nunca chegou a ver a luz do dia.
Tem mais 100 cv que o 037 (total de 605 cv) graças a um turbo maior. Tem uma caixa manual de seis velocidades revista e com relações mais curtas. O carro é feito em carbono e alumínio e apesar de ter tração integral, o peso ficou nos 1100 Kg. A suspensão foi remodelada e a transmissão integral tem diferenciais com controlo a partir do interior permitindo ao condutor escolher como distribuir a potência.
Por outro lado, o motor é o 2.1 litros da Italtécnica feito sob a orientação de Claudio Lombardi, o mago engenheiro que fez parte da equipa oficial Lancia e criou o Delta S4. O Kimera 038 EVO deverá custar perto dos 600 mil euros.
MG Cyberster com portas complexas e 530 CV
Com toda a certeza, esta é a prova de que nem todos os modelos 100% elétricos têm de ser um SUV! O Cyberster (que nome difícil) é um roadster com linhas sedutoras e portas complexas e cheio de vigor. A MG Motors levou o carro até ao Salão de Genebra já na sua versão final. E… gostei!
Único senão: as portas. São portas em tesoura com acionamento elétrico que parecem ser um ninho de problemas. Por outro lado, o interior tem… quatro ecrãs! Oferece dois mais dois lugares e uma potência de 530 cv. No que toca às performances, é digno de um Morris Garage (MG): 0-100 km/h em 3,2 segundos e uma autonomia de 450 quilómetros graças à bateria de 77 kWh.
A potência vem de dois motores elétricos, um em cada eixo, oferecendo, assim, tração integral. Mais tarde será oferecida uma versão de tração às duas rodas com performances menos estonteantes (0-100 km/h em 5,2 segundos).
Por conseguinte, o MG Cyberster será apresentado, oficialmente, no mês de março e, nessa altura, serão feitas revelações sobre preços e datas de lançamento. No ano em que a MG celebra o seu centenário, a marca exibiu no seu espaço no Salão de Genebra muitos vídeos com os MGB, tentando fazer a ligação ao passado. Curiosamente, o carro foi desenhado em Marylebone Road, Londres por uma equipa liderada pelo britânico Carl Gotham.
Totem GTAm Modificata. Um“restomod” de 1,2 milhões de euros
Vão ser feitos apenas cinco e a Totem Automobili orgulha-se disso. Com toda a certeza, serão os últimos GT produzidos pela empresa especializada em restaurar modelos Alfa Romeo. Cada um custa 1.2 milhões de euros. Parece muito? Olhe que não…
O GTAm Modificata retém o V6 do GT Super, mas agora com 3.2 litros (era 2.6) ao qual está acoplada uma caixa sequencial de seis velocidades no lugar da unidade manual de seis do GT Super. Contas feitas, são 810 cv e 732 Nm. Tudo atirado para as rodas traseiras de um carro que pesa perto de 1300 kg. Acelera dos 0-100 km/h em 2,6 segundos e passa os 300 km/h.
Da mesma forma, face ao GT Super, tem suspensões Bilstein desenhadas para o GTA Modificata e pneus Pirelli Trofeo R. Umas cavas das rodas bem alargadas, faróis suplementares e rebites a lembrar o GTA original fazem parte do estilo do veículo. A carroçaria é feita em fibra de carbono e o interior é dominado por esse material e pela Alcantara.
Com toda a certeza será possível andar com o GTA Modificata em estrada, mas quem dos cinco felizardos vai gastar um milhão de euros e expor o carro ao trânsito? Nota humorística: a placa que exibia as características do GTA Modificata dizia que o carro tinha uma relação potência peso de 2,04 cv/kg. Ora, se estiver correto o peso de 1290 kg, o motor teria… 2631 cv, ou pesaria, somente, 296 kg!
Lucid norte americana… ou falta dela?
Com toda a certeza que falo de lucidez, até porque os modelos da Lucid são, diria, espetaculares. Porém, de difícil enquadramento na realidade europeia. A marca norte americana nasceu em 2007 como “start up” – pela mão de um antigo vice-presidente da… Tesla, Bernard Tse – e hoje é propriedade do Fundo de Saúde Soberano da Arábia Saudita.
Com o intuito de dar a conhecer os automóveis de luxo 100% elétricos que produz e justificando o seu desembarque na Europa através da Alemanha, a Lucid esteve em Genebra. Confesso que os modelos da marca impressionam pelo musculo e linhas arrojadas do estilo. A novidade em Genebra chamava-se Gravity, um SUV familiar de dimensões generosas. Cavas das rodas gigantescas com jantes de 22 polegadas e um comprimento de 5,03 metros destacam um automóvel com 800 cv. A autonomia é de 700 km e, olhando para ele, lembramos um Mercedes, o gigantesco Classe R.
Nesse sentido, no interior, luxo e tecnologia com um painel de instrumentos gigante e um ecrã central com 34 polegadas (!) Um verdadeiro automóvel à americana que ainda não é seguro que seja comercializado no Velho Continente.
Denza é marca Premium da BYD
A presença da BYD em Genebra já foi abordada no Escape Livre, por isso destaca o outro lado da Build Your Dreams (BYD) que é o construtor nº1 em vendas de veículos 100% elétricos no Mundo. Com toda a certeza, a ofensiva europeia da casa chinesa está de vento em popa e, por isso mesmo, decidiu desembarcar no Velho Continente mais uma dor de cabeça. Chama-se Denza e vem colar-se à gama da BYD.
Em contraste com o que se passa em outras geografias, a BYD ainda não é uma marca que, imediatamente, venha ao leque de opções quando se equaciona a aquisição de um carro 100% elétrico. Porém, o caminho faz-se caminhando e a BYD tem um programa ambicioso que começa, já, a ter frutos.
Apesar dos ventos contrários que se levantam através de regulamentação europeia contra a invasão chinesa, a BYD continua interessada no Velho Continente. Prova disso é a chegada da Denza, marca de luxo da casa chinesa, apresentada no Salão de Genebra.
As novidades da chinesa BYD no Salão de Genebra
A chinesa BYD foi outra das presenças em Genebra. Para além do renovado SUV Tang, vimos o YangWang U8, um poderoso gigante que até flutua.
Nascida de associação com a Mercedes
O mais curioso de tudo isto é que a Denza nasceu em 2010 de uma associação entre a BYD e a Mercedes-Benz! Começou, como todas as parcerias sino-europeias, com uma proporção 50/50, mas hoje a marca de Estugarda tem apenas 10%.
É a marca de luxo da BYD, porém, não é 100% elétrica. Assim sendo, a Denza surgiu em Genebra com o D9, um monovolume de 7 lugares com mecânicas híbridas ou elétricas que se posiciona como rival do… Mercedes EQV! Embora se pareça mais com um Lexus LM… Já o tínhamos visto o ano passado no Salão de Munique.
Por outro lado, a configuração de bancos é 2+2+3 e disponibiliza bancos individuais com massagem, refrigeração, sistema de som Dynaudio, frigorifico com capacidade de seis garrafas e dois ecrãs gigantes. A marca diz que vai vencer o modelo na Europa, mas não revelou qualquer dado. Nem preços!
Já o N7 é um carro mais sensato e apropriado ao mercado europeu. É um SUV 100% elétrico com cinco lugares, rival do Mercedes EQE, tendo mais 10 cm que um Tesla Model Y. Ou seja, também não é pequenino, mas menos que o D9.
Infelizmente, a Denza não libertou pormenores, exceto a suspensão pneumática vinda da BYD, uma autonomia de 570 km, mas aferida pelo protocolo NEDC (mais otimista que o WLTP), e uma capacidade de recarga de 230 kW. Ou seja, de 10 a 80% da carga da bateria é obtida em 20 minutos. Detalhe: para conseguir essa velocidade de carregamento, tem de ligar o carro a dois cabos em simultâneo! Ou seja, num posto CCS com dois cabos, um Denza N7 impede que outro carro possa carregar… chinesices!
Clássicos, desportivos e… simuladores!
Além disso, esteve presente a ErreErre Fuoristrada com o seu Alfa Romeo Giulia de 2023 transformado num Giulia do século passado e uma ou outra empresa chinesa que mostravam cópias luxuosas do Mercedes Classe V.
Com toda a certeza destinado a ocupar o espaço deixado livre pelas muitas ausências, o espaço “Classics Gallery” colocou alguns carros em exposição dos anos 20, 50, 60 e 70 do século passado e, ainda, alguns protótipos do passado como a Renault Espace F1. Detalhe: a Renault não cedeu o seu exemplar, pelo que o modelo exposto faz parte do Museu Matra. Estiveram expostos 35 automóveis.
Finalmente, muitos simuladores espalhados pelo espaço do Salão de Genebra e uma área onde se concentravam supercarros do passado e do presente, parte de coleções privadas ou de especialistas na venda deste tipo de automóvel.