Gasta de tanto uso, esta frase de Mark Twain serve como uma luva ao atual estado da arte no que toca à mobilidade. Como dizia Pimenta Machado, dirigente desportivo, “o que hoje é verdade, amanhã é mentira” e nestes últimos tempos foram muitos os que acabaram a tropeçar nos seus atacadores. Alguns ainda acham que o fim dos motores de combustão vai acontecer em 2035 e outros fazem como o Carlão… assobiam para o lado! Os restantes lembram, João Pinto, jogador de futebol que disse “o meu clube estava à beira do precipício, mas tomou a decisão correta: deu um passo em frente!” Por isso, a pergunta: Vem aí o fim do motor a combustão? Talvez não!
“Futebóis” e conversa fiada à parte, a situação da indústria automóvel está perigosamente suspensa da decisão política. E nessa medida não sei se dar o passo em frente não é melhor que esperar pela presciência dos políticos. Costuma dar asneira…
Mercado da mobilidade elétrica… era um paraíso
Passaram apenas três anos desde que a euforia andava no ar como um drone. A mudança de paradigma estava a galope e iriam ser vendidos milhares de milhões de carros elétricos. Construtores houve que querendo ser mais papistas que o Papa, se colaram ao desmando da União Europeia. Liderados por Ursula van der Leyen, uma alemã cheia de princípios, depressa decretaram o fim dos motores de combustão interna em 2035, lutando como loucos contra essa fonte gigantesca de poluição que é o automóvel. Claro, assobiando para o lado no que toca à logística e aos camiões, navios e aviões.
Aplausos de todo o lado vindos dos construtores e confettis pelo ar atirados pelos ambientalistas. E num gesto magnânimo, os Governos criaram, logo, uma rede de incentivos muito generosa. O apelo da novidade e a vertigem de ser visto como diferente, entusiasmou alguns particulares com dinheiro suficiente para pagar carros elétricos, e a maioria das empresas.
Todos acreditaram no paraíso
Tantas benesses e a promessa de um eldorado de custos, encheram os parques de estacionamento das empresas de veículos elétricos, a maioria deles produzidos pela Tesla. De tal forma que levou a marca norte americana até ao topo das vendas na Europa!
Os construtores pareciam seguir uma espécie de Flautista de Hamelin e começaram a disparar os anúncios! Esta marca será 100% elétrica neste ano, a outra naquele ano e algumas até queria começar no imediato. Criaram-se submarcas e espremeram-se recursos em todo o lado para sacrificar no altar da mobilidade elétrica.
Aumentaram-se os preços e apostou-se nos serviços como forma de aumentar o rio do “cash-flow” represando-o para a mobilidade elétrica. Milhares de milhões de euros foram depositados para oferecer carros 100% elétricos. O crescimento a dois dígitos entusiasmou tudo e todos, assobiando para o lado perante a evidência dos reduzidos números que serviam de base ao crescimento.
Engordou-se o império do meio com “joint ventures” que lhe revelaram tudo sobre tecnologia e com a compra de baterias, deixando o mundo depositado nos braços dos chineses. Que, claro, não tardaram em dar o abraço do urso.
O que hoje é verdade… amanhã é mentira!
Os chineses vendem mais barato e com uma qualidade que os europeus achavam impossível exibirem. O Governo chinês não tem pruridos em subsidiar as empresas que queiram desembarcar na Europa. O golpe foi baixo… mas ninguém pode dizer que não estava ao virar da esquina.
E como tudo muda em apenas três anos. A Mercedes-Benz tinha afirmado que a casa de Estugarda só iria vender veículos elétricos a partir de 2030. Ola Kallenius, CEO do Grupo Mercedes-Benz, já veio dizer que isso não vai acontecer, certamente, em 2030. “Obviamente não vai haver uma transição para veículos 100% elétricos em 2030, em toda a Europa e, muito provavelmente do lado da Mercedes também não.”
Porquê? Porque a venda de veículos elétricos está estagnada e Elon Musk já avisou dentro da Tesla que haverá um significativo desacelerar do crescimento das vendas em 2024. Mas há mais razões.
Fim do motor de combustão? Mas o lucro está ali!
Com toda a certeza, algo vai mal quando um construtor exibe milhares de milhões de euros de lucro na parte convencional e milhares de milhões de euros de prejuízo na divisão elétrica. Algo vai muito mal quando construtores vendem carros onde perdem centenas ou milhares de euros. Enfim, algo vai mesmo muito mal quando os valores residuais caem a pique e as financeiras ficam com um enorme buraco nas contas.
E quando se compra um veículo 100% elétrico e, passados três anos, a desvalorização é de tal ordem que a tendência é não voltar a escolher um automóvel alimentado por baterias? O que fazer quando o mercado das empresas está saturado e não há capacidade para penetrar nas classes menos favorecidas que nem com incentivos conseguem contornar a sina de ter, sempre, um carro usado com muitos anos?
Objetivo 2035… está em risco!
Com toda a certeza, o objetivo de exterminar os motores de combustão interna em 2035 está em risco. Luca de Meo, CEO do Grupo Renault e presidente da ACEA, tem dois discursos consoante o chapéu.
Nada de novo, pois de um lado está o desejo de exibir políticas ambientais e mostrar empenho na defesa do ambiente. Do outro o forte desejo de impedir que a União Europeia mantenha o fim dos motores de combustão interna em 2035.
O Grupo Renault começou por pedir um adiamento para os híbridos antes de se lançar numa gama 100% elétrica que, honra seja feita, é muito interessante. Como os interesses da Renault não são, necessariamente, os da ACEA, o discurso de Meo oscila.
Mas é plenamente evidente que não tardará o pedido da indústria automóvel para adiar esse prazo. Aliás Luca de Meo disse-o à agência AFP. “Espero que a proibição se aplique um pouco mais tarde, porque não creio que o consigamos fazer sem prejudicar toda a indústria e toda a cadeia de valor da indústria automóvel europeia. De momento, a regra é que a venda de novos veículos com motor de combustão será proibida em 2035. Inicialmente, pedimos uma data posterior porque pensámos que seria demasiado curta. A decisão cabe aos legisladores. Espero que deem ouvidos ao que estávamos a dizer inicialmente.”