Nasceu no Yorkshire, em Sheffield, filho de um oficial do exército que foi viver para a Nova Zelândia quando tinha sete anos de idade. Aos 24 anos, Alastair Caldwell, decidiu entrar num avião e rumar a Inglaterra para ser mecânico de competição. Entrou na McLaren como faxineiro, mas esteve apenas um dia nesse serviço. Dessa maneira, rapidamente escalou dentro da equipa de Bruce McLaren e ainda foi a tempo de ser duas vezes Campeão do Mundo de Fórmula 1. Hoje, aos 81 anos, diverte-se com os seus clássicos e veio a Portugal para o Circuito das Beiras by Bridgestone / First Stop organizado pelo Clube Escape Livre.
A infância foi passada na Nova Zelândia na companhia dos pais. “Fui para a Nova Zelândia com sete anos e sinto-me um neozelandês. Aliás, até tenho passaporte daquele país” diz com um sorriso Alastair Caldwell. Até decidir entrar num avião para desembarcar no Velho Continente, o jovem rebelde andou a fugir à polícia por participar em corridas ilegais e faltando à escola para jogar bilhar ou cumprir o seu desejo de trabalhar em carros de corrida.
A carta foi tirada aos 15 anos, embora “eu já conduzisse desde os 12 anos”. Isso acontecia porque era legal conduzir com uma pessoa encartada ao lado. Fazia de motorista para a mãe…
“Naquela época éramos todos amadores, pois não havia desporto motorizado profissional na Nova Zelândia” lembra Caldwell. “E foi por isso que em 1967 decidi apanhar um avião rumo a Inglaterra para cumprir o meu desejo de ser mecânico de Fórmula 1!”
Começo como… faxineiro!
O começo de Alastair Caldwell não foi dos mais garbosos, pois entrou na Mclaren com o objetivo de ser mecânico e deram-lhe… uma vassoura! “É verdade, comecei na McLaren como faxineiro” diz sorrindo. Mas foi sol de pouca dura.
“Só estive um dia nesse trabalho. Nesse mesmo dia fiquei até às 3 ou 4 da manhã a ajudar os mecânicos da equipa de Fórmula 1 e, na manhã seguinte fui contratado como mecânico. Foi assim que acabei no Reino Unido como mecânico da McLaren.”
Depois, foram as suas qualidades a permitirem uma ascensão rápida dentro da equipa. “Sim, rapidamente cheguei a membro sénior da equipa e, logo depois, a Team Manager, liderando a equipa ao longo de vários anos.”
De faxineiro a bicampeão do Mundo de F1
Com toda a certeza, a história de Alastair Caldwell pode ser resumida desta forma: de faxineiro a campeão do mundo de Fórmula 1. Entre risos, o britânico acenou com a cabeça e corrigiu-nos. “Fui campeão do Mundo duas vezes com Emerson Fittipaldi em 1974 e James Hunt em 1976.”
Dessa forma, tem um currículo invejável com dois dos grandes pilotos que passaram pela Fórmula 1. “Numa época onde a luta era entre a Ferrari e a McLaren conseguimos dar que fazer aos rapazes de Maranello” sublinhou entre risos.
Histórias deliciosas da F1 de outros tempos
Por outro lado, a sua presença na Fórmula 1 não se limitou a liderar a equipa de Bruce Mclaren. Alastair Caldwell recorda que “pagávamos muito pouco ao James Hunt.” Ai sim? “Claro! Ele tinha um contrato cujo salário estava baseado nos pontos marcados. Ora, tínhamos o melhor carro da Fórmula 1, ele precisava apenas de pilotar para ter uma recompensa choruda.” O segredo das performances de Hunt residia exatamente aqui. “Ele ficava furioso quando lhe lembrávamos que nem sequer lhe devíamos pagar porque tinha o melhor carro.”
E Caldwell conta-nos como as coisas se passavam. “Antes da corrida ficávamos na grelha com o rádio ligado. Ele perguntava pelo dinheiro e eu perguntava-lhe: ‘voaste em primeira classe para o Japão, James? E podes levar a tua namorada?’ Ele explodia! Ele voava sempre em primeira e a namorada nunca ia junto dele para não gastar mais dinheiro. Saía da grelha a rir-me, pois a sua raiva levava-o, quase sempre, a pilotar mais depressa.”
“James Hunt era melhor furioso!”
Só para ilustrar, outro episódio delicioso contado na primeira pessoa. “O James tornou-se nosso piloto em 75 e levámo-lo a Silverstone e – sendo Inglaterra – nevou. Apercebemo-nos que ele tinha as pernas tão compridas que não cabia no carro. Tivemos de cortar a parte da frente do carro e deslocar os pedais para a frente. Ele também teve de cortar as pontas dos sapatos para ficar com os pés o mais curtos possível.”
Emerson Fittipaldi adorava pedir dinheiro às equipas para quem pilotava. Na McLaren esse era um pedido recorrente, mas a Phillip Morris (a tabaqueira) dizia sempre não. O brasileiro abordou o responsável da equipa. “Alastair, tens de lhe dizer que tenho uma forte posição negocial! Eu dizia-lhe ‘eu acho que não tens… para quem vais pilotar?’”
Porém, o brasileiro estava, às escondidas, a cuidar do futuro construindo uma equipa com o apoio da Copersucar, uma empresa gigante do Brasil. E no dia de Natal, Alastair Caldwell foi limpar o telex e encontrou um comunicado que dizia “Fittipaldi anuncia que vai correr pela Copersucar”. Momentos depois “chegou um telex a dizer ‘Demito-me’!”
Espírito criativo deu origem a inovações espetaculares
Alastair Caldwell ficou conhecido pela sua gestão da Mclaren, pelos títulos obtidos e pelas invenções que lançou no desporto automóvel. “É verdade. Eram outros tempos e a necessidade aguçava o engenho. Na época estava intimamente envolvido no fabrico dos carros. Ajudei a projetá-los e a prepará-los e também fazia alterações.”
Isto no meio das suas responsabilidades como Team Manager. Mas o seu estatuto foi-o afastando da parte prática. “Costumava passar muitas horas na McLaren sem fazer nada fisicamente. Mas ao invés de ir para o hotel aborrecer-me ou para casa ver a família, como faziam os outros, em ficava no trabalho. À noite era a única altura em que podia tratar da papelada. Foi aí que comecei a olhar para algumas coisas.”
Motor de arranque a ar comprimido
Posto que, uma delas foi olhar para a forma como os carros começavam a trabalhar. Havia uma bateria e um motor de arranque no carro que pesavam muito e muitas vezes funcionava mal. Com toda a certeza, ferramentas com ar comprimido já havia nessa altura e para mudar as rodas, tinham botijas de ar comprimido que permitiam mudar as rodas muito mais depressa.
“Quando olhei para as botijas pensei ‘whoop’ roda fora, ‘whoop’ roda dentro. Teria de haver uma forma de usar isso para ligar o motor. Dei voltas e voltas e criei um pequeno motor pneumático que coloquei no carro. Afinei tudo e… funcionou! Tínhamos de ser capazes de ligar o motor duas vezes e o motor arrancou sem problemas. Aliás, melhor que com o motor de arranque habitual!”
Nascia, assim, o motor de arranque com ar comprimido que durante décadas foi usado na Fórmula 1 e em outros desportos motorizados. “Estupidamente” lembra Alastair Caldwell “não me despedi e não me tornei vendedor de motores de arranque com ar comprimido. Hoje seria multimilionário!”
Caixa de seis velocidades
Mas houve mais invenções. Foi Alastair Caldwell quem introduziu as caixas de seis velocidades na Fórmula 1. “Mais uma vez, não tinha nada para fazer e comecei a desmontar uma caixa e depois de uma análise cuidada, descobri que modificando o interior da caixa conseguia colocar mais uma relação, a sexta velocidade. Fabriquei duas peças e a caixa ficou com seis velocidades. Os desenhos desta caixa ainda estão na McLaren. Esta caixa de seis velocidades foi uma das razões por que conseguimos o título de 1976. Lembro que no final dos treinos para o GP do Brasil fizemos o ‘debrief’ e disse ‘E que tal as relações de caixa?’ O James Hunt disse ‘quais relações?’ e o Jochen Mass rindo disse ‘as relações de caixa? Estão ótimas!’ Aquilo que levou algum tempo a criar passou, num sopro, a ser uma normalidade para os pilotos.”
As saias laterais
“Essa foi outra coisa que introduzi na Fórmula 1: o aumento da força descendente para curvar mais depressa. Eu sempre fui muito bom a ler os regulamentos. E percebi que as saias a fechar as laterais do carro era uma zona cinzenta do regulamento.”
Mesmo que a coisa não fosse pacifica, tentou, mas só no GP dos EUA é que conseguiu montar as saias no carro. Todos disseram que era ilegal e apontaram para o regulamento dizendo que tudo no carro tinha de ser rígido.
“Eu limitei-me a perguntar: o que é rígido? As asas de um avião são rígidas? Não. Nem o motor é rígido. Com isto convenci-os que as saias não eram móveis, apenas quando o vento soprava, elas mexiam-se.” Uma vez mais a eficácia a sobrepor-se ao conforto e saúde do piloto. “Lembro que alguns pilotos vomitavam e ficavam doentes. E lembro o que disse o Piquet. ‘O carro? O carro é fantástico, fantástico! Não consigo ver, não consigo respirar, não encontro os pedais, mas é fantástico!”
Os clássicos e os passeios
Perguntamos a Alastair Caldwell qual era o critério para a sua magnífica coleção de carros clássicos. “Não tenho nenhum! Tenho mais de duas dezenas de carros e passam por carros tão diferente como o Austin A40 ou o Ferrari GTO. Tenho carros que não valem grande coisa e outros que valem milhões. A última compra foi um Mercedes SL Roadster que é, também, um carro bastante caro.” Ou seja, a sua coleção é composta pelos carros que gosta. “Exatamente! É isso mesmo.”
As vitórias com poucos recursos
Com toda a certeza, Alastair Caldwell fica com um brilho nos olhos quando se fala de Fórmula 1. E a sua opinião é interessante. “Tudo ficou muito maior, as equipas tornaram-se gigantes, a competição é enorme e os carros também são maiores. Em 1974, geri duas equipas de F1 e ainda um programa na Indycar, para além do Campeonato Can-Am e da Fórmula 5000 sem esquecer a F2. E vencemos em todas elas, ganhando a F1, Can-Am e a Indy500. Tudo isto com 32 colaboradores… 32!
E desses, “uma era a rececionista e a outra uma secretária, para além do contabilista. Portanto, não eram mais de 27 a 28 pessoas a trabalhar nos carros. E fizemos todos esses campeonatos e centenas de corridas. Hoje a Mclaren tem dois mil colaboradores. Algo que eu entendo ser absolutamente estúpido. Mas como as pessoas gostam e o dinheiro dos direitos televisivos paga tudo isso, continuam a crescer.”
“A Fórmula 1 mudou muito… está extremamente aborrecida!”
E então a Fórmula 1 atual? “Extremamente aborrecida, não há ultrapassagens e para mim é apenas estúpido. Mas o público gosta, por isso desejo-lhes a maior sorte.”
Com toda a certeza muito mais teríamos para conversar com Alastair Caldwell, lembrando tanto que ele deu á Fórmula 1, como a uniformização da roupa da equipa ou a troca de pneus em 1977. Ele que teve pilotos como Emerson Fittipaldi, James Hunt ou Nelson Piquet. Depois deixou a McLaren, juntou-se à Brabham e abandonou a Fórmula 1 em 1981, deixando a equipa ATS de Gunther Schmidt. Dedicou-se ao seu negócio de pequenos armazéns e às provas de clássicos.
Acima de tudo, foi um gosto tê-lo durante quatro dias a fazer o Circuito das Beiras by Bridgestone / First Stop, a prova de 1903 criada por Tavares de Melo e que, agora, o Clube Escape Livre recriou com o mesmo trajeto de há 121 anos!