O Escape Livre esteve no centenário das 24h de Le Mans e, pela primeira vez, jornalistas portugueses tiveram o privilégio de entrar no Centro de Controle da Corrida para uma entrevista exclusiva com o Diretor de Corrida, Eduardo Freitas. Um conteúdo exclusivo para a última edição da Escape Livre Magazine, e que se reflete aqui numa versão ainda mais completa.
As 24h de Le Mans são, provavelmente, a corrida automóvel mais emblemática do mundo. E, no ano em que celebram 100 anos, a festa prometia. Do regresso da Ferrari a esta mítica prova, à estreia de um carro da NASCAR no traçado. Do desfile dos automóveis que, ao longo de um século, fizeram história no Circuito de La Sarthe, aos espetáculos e exposições em torno da corrida. Com meses de antecipação para a corrida do centenário as expetativas eram altíssimas. E Le Mans não desiludiu! Uma corrida emocionante do princípio ao fim, cheia de boas disputas, estratégias inovadoras, muitas surpresas e até uma última paragem nas boxes carregada de suspense! Nós estivemos lá e, pela primeira vez, jornalistas portugueses foram convidados a entrar no Centro de Controle da Corrida para uma conversa exclusiva com o Diretor de Corrida, Eduardo Freitas.
“Bem-vindos ao Centro de Controle, bem-vindos ao meu cantinho”, avançou Eduardo, abrindo os braços para nos ajudar a percorrer com o olhar a panóplia de monitores, informações e postos de trabalho necessários para controlar uma corrida da envergadura das 24h de Le Mans.
Com uma carreira ímpar como oficial de desportos motorizados, Eduardo Freitas reflete na calma e objetividade com que analisa cada situação de corrida uma ponderação e experiência como poucos. A serenidade no tom de voz com que transmite as decisões para a pista é já bem conhecida por pilotos e chefes de equipa. Dono de uma ética de trabalho irrepreensível, confessa que o dia em que parar de aprender com cada corrida é o dia em que “já não estou aqui a fazer nada”.
Sentado no seu posto de trabalho na torre de controlo do Circuito de La Sarthe, Eduardo começámos por perguntar as principais diferenças entre o Diretor de Corrida e o Diretor de Prova?
Hoje existem duas entidades na direção, o Diretor de Prova e o Diretor de Corrida. O Diretor de Corrida zela pela gestão desportiva das categorias que estão em pista naquela altura. Tem de saber os regulamentos de cada categoria na ponta da unha e conhecer o comportamento do universo dos pilotos. O Diretor de Prova coordena os comissários todos que estão à volta da pista, todos os meios. Quando o Diretor de Corrida tem um problema, pergunta-lhe: como é que no teu entender pretendes resolver isto? Se eu estiver de acordo com a maneira que ele me propõe, avançamos. Se eu achar que aquela não é uma boa solução, peço-lhe outra. Ou, às vezes, ajusto a que ele me propõe ao que é a natureza do meu campeonato. Sendo que a última palavra é minha, está regulamentado assim.
São várias as ferramentas que fazem com que a justiça desportiva e a imparcialidade dos “humanos” que estão na direção prevaleçam em cada corrida?
Por exemplo, há muita gente que pensa que sou eu quem decide as penalizações. Felizmente o sistema está feito de tal maneira em que não possa ser eu o único detentor do poder de decisão. Se constatar uma infração, reporto ao Colégio de Comissários e são eles quem decide a penalização. Eu depois aplico-a. Pode acontecer, por vezes, eu não estar de acordo, e posso dar o meu ponto de vista, ou até relembrar algumas situações passadas com este ou aquele piloto ou equipa. Nessas situações, o meu papel é alertar o Colégio de Comissários, mas não devo influenciar a decisão do Tribunal.
O papel do Diretor de Corrida é aplicar à letra o regulamento?
Sim, eu estou aqui para aplicar ao regulamento. Agora, como qualquer bom advogado dirá, às vezes, existe uma grande diferença entre o texto da lei e o espírito da lei. Aqui é igual. O regulamento é relativamente fácil de aplicar, o fundamental é transmitir às equipas o que se pretende com cada artigo.
Eu, como estou incluído no grupo de trabalho que faz o Regulamento consigo, de certa maneira, consigo explicar onde é que nós queremos chegar com aquela regra. Grande parte das reuniões que faço com os Chefes de Equipa é exatamente sobre isso. E até, muitas vezes, aprendemos com a interpretação que eles fazem das regras, os buracos que encontram, que nos ajudam a retificar os artigos para que cumpram a função pretendida. Quando acontece uma situação que pode não estar especificamente descrita num artigo, mas que vemos que se enquadra no espírito do regulamento, é para utilizar. É também para isso que serve o Diretor de Corrida, para saber analisar cada situação dentro do espírito das regras, até quando as equipas aparecem com soluções criativas!
Há todo um trabalho de preparação para a direção de corrida de uma prova como Le Mans?
Há todo um trabalho de bastidores onde eu intervenho quando se organiza um evento desta envergadura. Passo pelo plano de segurança, que me permite saber exatamente onde estão todos os meios de intervenção ao longo do circuito para que, caso seja necessário resolver alguma situação, ela seja mais rápida e eficaz. Pelas mesmas razões passo pelo plano médico. Pela alocação de meios técnicos na pista, ajudo na preparação dos horários, realizo vários testes à segurança do traçado durante as sessões de treinos. São muitos pormenores que requerem a minha maior atenção, dos mais óbvios que todas as pessoas conseguem ver, até ao detalhe da informação que é disponibilizada nos ecrãs dos carros, que só os pilotos têm acesso.
Le Mans é uma prova que dura o ano todo! Começo por ler todos os relatórios de corrida desde o primeiro ano, para procurar detetar coisas que não estejam tão bem quanto deviam estar. Situações que se repetem de ano para ano e que podem e devem ser melhoradas. Consulto também as minhas notas e revejo vários vídeos de incidentes para analisar o que poderia ter sido feito para as evitar caso ocorram novamente. Inclusive, leio muitos artigos da imprensa, onde às vezes há jornalistas que estavam posicionados mesmo no local onde aconteceu um incidente e conseguiram captar detalhes que nós não vimos.
Consegue explicar o tão falado novo procedimento do Safety Car?
Acho que foi um produto mal compreendido, que poderia ter sido melhor explicado, no sentido de transmitir o que realmente se pretende. Para já, não é uma coisa que eu penso estar a usar de vinte em vinte minutos, isso está completamente fora de questão. Este circuito ainda tem as chamadas Slow Zones, é único no WEC (World Endurance Championship) que atualmente as utiliza e ainda os Full Course Yellow. Todas ferramentas que podemos utilizar para reduzir ao máximo o número de Safety Car. Se formos ver, nos últimos 20 anos, tem havido uma forte redução na quantidade de Safety Car utilizados em Le Mans. Obviamente que há coisas que não consigo resolver de outra forma, incidentes quando cai uma tempestade de chuva no circuito não me dão grandes opções, por exemplo.
Mas Le Mans tem a sua filosofia própria. Aqui é quem anda mais durante 24 horas, não é chegar a certo ponto da corrida na volta do vencedor! Se tivessem que explicar o que se pretende com este novo sistema de Safety Car é que, já que estragámos a corrida, mal por mal, vai tentar arranjar-se uma forma de melhorar um pouco o espetáculo. Já tivemos alguns casos, muitos deles polémicos, de pilotos que literalmente perderam a corrida por causa do Safety Car, ou que perderam a hipótese de disputar a vitória por causa do Safety Car. O ACO (Automobile Club de l’Ouest) estava disposto a tentar procurar novas soluções. Começámos a pensar, então, como é que podemos minimizar o impacto do Safety Car na corrida? La Sarthe é um circuito com 13km, não parece, mas são quase 3 voltas a um circuito normal.
Em pista estão três categorias em simultâneo, os Hypercars, os LMP2 e os LM/GTE-Am, cada uma com o seu ritmo, e cada uma com o seu respetivo Safety Car. Este ano temos ainda o Garage 56, o carro de NASCAR, que também tem o seu lugar próprio nesta organização. Aquilo que se pretende é que, uma vez que o problema que ocasionou os Safety Car esteja resolvido, vamos fundir os três Safety Car num só.
Os Safety Car 2 e 3 saem de pista e os carros que estavam atrás deles aumentam a velocidade e vem colar-se atrás do primeiro. Uma vez que tenhamos os carros todos atrás do Safety Car 1, vamos deixar, como fazemos em todas as provas do WEC, que os carros que estão entre o líder de cada categoria e o Safety Car se desdobrem, ficando, teoricamente, na mesma volta do líder. Isto, só por si já vai apimentar um bocadinho mais a corrida.
Depois, para evitar uma partida com todas as categorias misturadas, fazemos uma triagem por etapas. Primeiro saem os LMP2 para a direita e toda a gente passa pela esquerda e eles juntam-se atrás. A seguir sai o Garage 56, que se vai pôr atrás. Finalmente faço o mesmo com os LM/GTE-Am. Por exclusão de partes, vou ficar com os Hypercar com o líder à frente, depois os LMP2 atrás do respetivo líder, o Garage 56, e na cauda os LM/GTE-Am atrás do líder dessa categoria. E arranca a corrida.
Um processo tão complexo como este, precisa de estar bem afinado?
Já vimos a testar este modelo desde Sebring, nomeadamente o dropback, porque os pilotos estão habituados a andar para a frente e não para trás! Depois de um segundo teste em Barcelona, já na pista de Le Mans foram feitos vários ensaios com todos os pilotos que deram origem à oportunidade de afinar este procedimento para que, havendo a necessidade de Safety Car na corrida, seja possível minimizar o impacto na corrida deste procedimento. O procedimento em si já está bastante eficaz, claro que, se chover será mais moroso, pois a capacidade de recuperação dos pilotos para fechar o seu grupo será afetada pelas alterações de condição de pista.
Para uma prova de resistência tão dura, cada carro tem três pilotos para realizar os muitos stints da corrida. Mas, no Centro de Controle da Corrida, só há um Diretor de Corrida para a totalidade das 24h?
Pode parecer, mas não estou sozinho. Tenho um grupo de trabalho fora de série onde, além de sermos amigos, somos um conjunto extremamente coeso, todos na mesma frequência. Não tenho grandes problemas em fazer uma pausa quando necessito, e em 24h algumas pausas são fundamentais! Quando saio, o meu adjunto assume o meu lugar e toda a gente sabe como é que eu reagiria em determinada situação pois já trabalhamos juntos há muitos anos. Numa prova tão exigente, é preciso salvaguardar a integridade mental dos “humanos” que estão ao volante, mas também dos “humanos” que estão ali para garantir a segurança e desportivismo da corrida. Para muitos de nós, não são 24 horas seguida, são muito mais do que isso. No dia da corrida, às seis da manhã já aqui estou e sei que não saio do circuito antes das 7 da tarde de domingo.
Tomar uma decisão de cabeça fresca ao fim de 23 horas de corrida não é a mesma coisa que tomar uma decisão de cabeça fresca ao fim da primeira hora, pois não?
Obviamente que não! Se for uma corrida animada, com várias situações, toda ela acaba por ser relativamente simples porque a cabeça não tem tempo para desligar. Agora quado temos pausas de 5 ou 6 horas em que não acontece nada, aí é puxar pela imaginação, há que deixar cair qualquer coisa, esmigalhar uma garrafa de água nas mãos, porque acabamos por entrar no modo latência. Nós fisicamente estamos preparados para dormir à noite, é ausência de luz nos provoca sono, todo o processo de libertação de melatonina está diretamente relacionado com a quantidade de luz. Aqui à noite é bastante escuro, e nem temos muita iluminação artificial para não alterar a perceção da imagem que vem dos monitores, que à noite estão quase todos a preto e branco. Às vezes andamos a inventar luzinhas para poder teclar à noite!
Ano após ano, a qualidade da tecnologia colocada ao dispor de quem necessita de analisar cada detalhe da corrida tem vindo a aumentar e facilita o trabalho de todos os profissionais envolvidos?
A qualidade das imagens é muito, muito boa. Claro que a velocidade das câmaras nunca é aquilo que desejamos, mas, por exemplo, diria que 90% das câmaras já permitem imagens 360° com boa qualidade de zoom. Claro que se eu quisesse ver os 13 km de circuito em detalhe teria que ter o dobro das câmaras!
Com uma trajetória desde fiscal de pista até um dos mais reputados Diretores de Corrida, a experiência adquirida faz toda a diferença?
Por algum motivo, tendemos sempre a escolher médicos que estão há mais tempo na profissão! Porque já tiveram mais casos, ou que já ultrapassaram mais situações complicadas. Claro que a minha experiência e a minha trajetória é uma mais-valia e permite-me conseguir saber o exatamente que é que é possível pedir um Comissário de Pista. Já estive na posição deles. Se tens três comissários à volta de um carro que está sem uma roda, obviamente não lhes vou dizer para o mover, porque sei que três seres humanos não conseguem.
A minha experiência permite-me fazer um julgamento do que é ou não racional pedir em cada situação. Agora se forem 7 ou 8 comissários, já podemos começar a ser mais criativos e já não seria a primeira vez que salto com soluções fora da caixa, algumas que já experimentei enquanto Comissário de Pista. E também aprendemos noutros circuitos, com outras soluções que se arranjaram para os mesmos problemas. Trazemos esse conhecimento connosco e tentamos transmitir às equipas de comissários formas mais eficazes de ultrapassar cada situação.
Num universo tão competitivo como as corridas automóveis, e numa prova com a reverência das 24h de Le Mans, o “coração português” pesa na altura de analisar eventuais situações que envolvam pilotos portugueses em prova?
Os carros têm um número na porta e os números não têm nacionalidade. O único piloto com quem sempre tive um especial cuidado, nomeadamente em situações de acidente, é um grande senhor, que respeito muito, um dos meus ídolos do desporto motorizado chamado Alessandro Zanardi. Era o único piloto que tinha alguma deferência, por causa da sua situação extraordinária (recorde-se que Alessandro Zanardi, depois de sair da Fórmula 1, teve um grave acidente que obrigou a amputar ambas as pernas pelo joelho, e concluiu a sua carreira no automobilismo ao volante de carros especialmente adaptados à sua condição, de se tornar o maior campeão de Paracilcismo da história dos jogos Paralímpicos). De resto, enquanto estou a exercer funções de Diretor de Corrida, o número de porta é o número da porta.
As especificidades de cada circuito e a dinâmica própria de cada prova obrigam a um constante pergunta/resposta entre Chefes de Equipa e Diretor de Corrida?
São sempre muitas perguntas e várias reuniões com os Chefes de Equipa. Mas nós impusemos ferramentas de trabalho que nos permitem gerir essas ocasiões. Temos um sistema de chat de comunicação onde está o Race Control e todos os Chefes de Equipa. Todas as perguntas que são feitas por uma equipa, todas recebem a resposta. Exceto se for uma pergunta que esteja diretamente relacionada com a estratégia da própria equipa. Nesses casos podem abordar-me de uma forma privada nesse mesmo chat. Claro que eu avalio a pergunta e se considerar que a questão colocada em privado deve ser respondida para todos, é isso que faço. O grosso das perguntas que me fazem em privado são para perguntar no público!
Como são as 24 horas na pele do Diretor de Corrida?
A última inspeção à pista é feita ainda antes das galinhas porem ovos. E, muito embora estejamos a poucas horas do arranque, há sempre muitas perguntas de última hora dos Chefes de Equipa. A minha porta está sempre aberta e prefiro perder o tempo que for preciso antes da corrida a responder a perguntas para evitar surpresas e dúvidas em plena prova. Isso facilita muito a vida ao Colégio de Comissários e a mim.
Como tenho uma boa relação com as equipas já sei que na manhã antes da corrida vou ter, de certeza, uma boa dúzia de Chefes de Equipa à minha espera! Segue-se o briefing com os primeiros quatro qualificados de cada categoria para falarmos do procedimento de partida e perceber se eles viram alguma coisa na pista que eu não me tenha apercebido durante as inspeções que fiz nos vários dias. Depois entrámos na fase em que é a última hipótese que as equipas têm para afinar os carros para a corrida.
Há tempo para uma pausa antes do arranque da corrida?
Faço sempre uma horita em off! Café, auscultadores, e não seria a primeira vez que me descaracterizo do uniforme de Diretor de Prova, ponho um boné discreto e vou passear incógnito pelo Paddock. Nessa altura gosto de estar com a minha mulher, conversar, de irmos tomar um café juntos. Uma pausa para limpar a cabeça antes de rumar novamente ao Centro de Controle de Corrida para dar início ao procedimento de partida.
Quando chega a altura de arrancar, a imagem de um dos ecrãs gigantes que mostra a pista é substituída pela previsão meteorológica para anteciparmos as próximas horas no circuito. É nessa altura que a adrenalina sobre e começa a tensão. Tenho várias câmaras apontadas para mim, muitas vezes sob os olhares do Presidente da FIA, do Vice-Presidente da FIA, o Presidente do ACO, outras vezes recebemos a visita de ministros e não seria a primeira vez que aparecia um Presidente da República! Mas depois são 60 carros são 60 pilotos e uma corrida para fazer.
Mas o trabalho do Diretor de Corrida não termina após a bandeirada de xadrez?
Assim que a corrida termina, depois de uma curta pausa para repor os níveis físicos e mentais, já estamos sentados a analisar o que podia ter sido melhorado. Imediatamente, começamos a fazer uma recapitulação da corrida, como tudo ainda muito fresco. Até porque enquanto estou aqui posso pedir imagens, pedir várias informações em tempo real e começar a analisar o que é que correu menos bem, e o que se pode, desde já, melhorar. Tudo a pensar não só nas próximas 24h de Le Mans, mas na próxima prova do WEC.
Ao longo de 21 anos como Diretor de Corridas, são muitos os momentos vividos atrás dos monitores. Muitos deles aqui, na torre do circuito de La Sarthe. Que momentos lhe ficaram na memória?
Dois mil e treze (diz referindo-se ao infeliz acidente que tirou a vida ao piloto Allan Simonsen na quarta volta das 24h de Le Mans). Para mim uma boa corrida é quando toda a gente volta para casa. O resto é tudo uma questão de tempo, dinheiro e papelada. Deixar alguém para trás é uma coisa que fica para sempre e nos marca muito. O que é que eu poderia ter feito para que isto não tivesse acontecido?
Em 2016, quando pela primeira vez na história da 24h de Le Mans se fez uma partida atrás do Safety Car, eu sabia que ou ia para casa com um peso na consciência para o resto da minha vida, ou vou para casa com um chapéu de estúpido porque fiz a partida atrás um Safety Car. Entre essas duas opções, optei pelo chapéu. Não era o que as pessoas estavam à espera, mas o facto é que ninguém se aleijou na partida e falando mais tarde com pilotos, sobretudo os das categorias que partem mais atrás, todos os que falaram comigo me agradeceram porque a visibilidade era praticamente nula. À chuva, com os Hypercar à frente, os pneus de chuva pareciam bombas de água.
Há sempre espaço para melhorar?
A corrida perfeita não existe, nem acredito que algum dia venha a existir, podemos sempre melhorar qualquer coisa. Há sempre situações onde pensamos, se eu soubesse teria feito de outra maneira. Ainda esta semana, no primeiro treino cronometrado, em retrospetiva, as duas primeiras bandeiras vermelhas poderiam ter sido Slow Zones. Há uma máxima americana que diz que um Safety Car puxa um Safety Car, porque a probabilidade de ocorrerem incidentes é maior quando os carros ficam novamente muito juntos. Se a primeira bandeira vermelha tivesse sido uma Slow Zone, provavelmente a segunda não teria acontecido.
Ao longo destes anos o Eduardo aprendeu com Le Mans e Le Mans aprendeu com o Eduardo?
O Eduardo enquanto aprender em todas as corridas vai andar por aqui. No dia em que deixar de aprender se calhar está na altura de passar a cadeira a outro. Se Le Mans aprendeu com o Eduardo, não serei eu, certamente, a pessoa indicada para responder a essa pergunta. Claro que há algumas ideias que são aplicadas que eu trouxe, mas daí a dizer que Le Mans aprendeu com Eduardo, têm de perguntar ao Presidente do ACO!
A FPAK em Portugal procura encaminhar e assegurar a caminhada dos seus pilotos até à internacionalização, sempre a pensar no topo. O mesmo se passa com os dirigentes desportivos?
Um dos exemplos é o Rui Marques, que está nesta altura na fórmula 2 e está aqui este fim de semana como Comissário Desportivo. Se quiser vai lá chegar. Portugal tem potencial, tem bons oficiais de prova e, de facto, tem-se feito um esforço no sentido de melhorar, de compartilhar informação e experiências entre Diretores de Corrida, Comissários Desportivos e Comissários Técnicos. Internacionalmente, aos poucos estão a aparecer mais portugueses, o que é bom e me deixa, pessoalmente, muito feliz.
Há alguma corrida que ainda não fizeste que gostavas de fazer?
Gostava de fazer o Mónaco como Comissário de Pista e de fazer Indianápolis como Comissário de Pista. No dia em que conseguir fazer isso tenho a minha “Triple Crown” porque já fiz em Le Mans. De resto, felizmente, tenho um calendário bastante ocupado e a família, claro, filhas, netos, e a minha mulher que é uma santa e que me acompanha desde os 14 anos. Mas depois destes anos todos, acho que já não consigo assistir de fora às corridas. Ou estou num posto como Comissário ou aqui na direção. Tenho muito gosto em ocupar um lugar lá em baixo na pista.
Recordo uma vez em que vim fazer um Le Mans Classic como Comissário de Pista, em 2018 ou 2019, e apresentei-me ao Chefe de Posto, que era, precisamente, o Rui Marques. Ele ficou muito atrapalhado, a perguntar-me o que é que eu queria fazer! Respondi-lhe que, no meu tempo, o Chefe de Posto é que me dizia a mim o que vou fazer! Só lhe peço que não me dê monitores, computadores, ecrãs ou rádios. O resto, vassouras, bandeiras, extintores, vamos a isso!
Mas já nem sempre é possível estar nas corridas dessa maneira. Inscrevi-me novamente para vir ao próximo Le Mans Classic como Comissário de Pista, mas vou estar aqui sentado! Por uma questão de ética e respeito entre diretores, comuniquei ao Diretor de Prova que me tinha inscrito como Comissário. Ele disse que eu lhe fazia mais falta aqui ao lado dele. Não era o que eu queria, mas vamos a isso!